domingo, 27 de março de 2016

ZARAFA


Sábado de Semana Santa, tivemos muitos visitantes na ilha, e como não houve escola desde quinta, a divulgação do filme –Zarafa – foi feita na rua, nos bairros e na praia, conseguindo um numero razoável  de publico. Uma das mães trouxe pipoca para compartilhar.




Zarafa e um filme francês realizado por  Rémi Bezançon e Jean-Christophe Lie em 2011 com desenhos complexos e muito ricos, que faz uma viagem pelo norte da África, Turquia e o Mediterrâneo ate chegar a Paris numa aula de geografia histórica que retoma o primeiro animal exótico, - uma girafa, zarafa em árabe – transportado de África para Europa, ainda no período colonial.

As crianças ficaram curiosas em saber se era uma historia verídica e questionavam muito sobre a girafa. Aproveitamos a sua curiosidade para fazê-los refletir sobre a grande injustiça da colonização européia para com o continente africano, espoliando seus riquezas naturais e explorando suas gentes ao igual que fizeram com o continente americano.


Pedro, muito questionador,  foi a revelação como debatedor e, com suas inúmeras perguntas, criou um ambiente descontraído que convidou a outros meninos a participarem espontaneamente. 



Sentimos como vamos quebrando barreiras quando conseguimos que a comunidade itaparicana aos poucos aceite o convite para participar do cineclube num lugar que, no imaginário popular, normalmente tende a ser considerado como especifico para a elite branca. As famílias vão conhecendo o espaço cultural, e tanto pais quanto mães têm expressado surpresa e admiração  de ter um lugar assim no município, aberto gratuitamente para toda a comunidade itaparicana. Dois pais, um mototaxi e outro dono do restaurante do mercado, se ofereceram a divulgar o cineclube distribuindo panfletos.


Porque do que se trata é  de que o cineclube seja um lugar de encontro num mundo tão desencontrado, e que seja apropriado pela comunidade local como fruto do seu lugar. Entendendo o lugar como o espaço habitado, o cineclube forma parte de Itaparica enquanto espaço habitado, lugar freqüentado e apropriado pela comunidade local.


segunda-feira, 14 de março de 2016

Fechando um ciclo para abrir outro




Dai que o publico alvo do ano 2016 seja principalmente estudantes de ensino fundamental, e suas famílias em geral, principais transmissoras de valores e zeladoras de tradições. Por isso, desta vez, nosso dialogo se focará nas famílias, desde que a família, elemento-chave para a sobrevivência dos indivíduos, é a principal instancia mediadora entre o indivíduo e a sociedade para a proteção e socialização dos seus componentes, para a transmissão dos valores culturais e a reprodução das relações de gênero e de solidariedade entre gerações (CARVALHO, 2005).  Por isso que, para a programação de 2016, temos nos focado na demanda das famílias, para as que dedicaremos também alguns filmes que tratem principalmente a problemática de gênero, por considerar que a cultura patriarcal está na base dos problemas de violência de nossas sociedades, que precisam valorizar mais o cuidado pela vida – culturalmente atribuído às mulheres.

A grande debatedora



De fato, a grande revelação como debatedora foi Ana Clara, uma menina de oito anos que freqüenta o cineclube junto com seus pais e se colocou de forma muito lúcida e matura nos debates dos filmes infantis e até em Narradores de Javé e A vida é bela. Assim sentimos uma maior receptividade entre o publico de ensino fundamental, cujos pais mostravam-se agradecidos, abertos ao dialogo, e demandavam mais filmes, alegando ainda que, quando os filmes são para adultos, não têm onde deixar os filhos pequenos, mas sendo para todas as idades, toda a família pode assistir.

Cinema para crianças



Sempre orientamos ao publico sobre os filmes que poderiam ser assistidos junto com as crianças, como Narradores de Javé e A vida é bela. Com motivo do mês das crianças, também projetamos alguns filmes dedicados ao publico infantil -Pequenas historias, Kiriku e os animais selvagens  


e pudemos observar que, enquanto precisamos de um esforço maior para estimular aos estudantes e professores de segundo grau, os estudantes de ensino fundamental vinham acompanhados pelos pais e mães interessados em passar para seus filhos a cultura do cinema.


Cinema para todos

O cineclube não se restringiu aos jovens estudantes e estava também aberto para toda a comunidade, que participou de todas as exibições. Nesse sentido, podemos afirmar que o cineclube esta contribuindo para aproximar e congregar a comunidade itaparicana com toda sua diversidade – geracional, multiracial, de classe e gênero- 




no lugar de encontro multicultural que pretende ser o Centro de Cultura e Ética Mirante do Solar. 


Pasqualino Magnavita, arquiteto, morador de Itaparica e criador e fundador do Centro de Cultura 

Debate: o grande desafio

  • O debate tem sido o maior desafio enfrentado, refletindo o grande problema da educação formal que Paulo Freire sempre denunciou: no lugar de estabelecer comunicação, oferecemos comunicados em monólogos detentores da verdade que fazem do estudante mero espectador no lugar de sujeito ativo do processo de construção coletiva do conhecimento. A falta, na sala de aula, de dialogo no sentido da maiêutica de Sócrates, que incentive ao estudante a se questionar sobre sua própria realidade, a observar criticamente o mundo ao redor, em definitivo a ler o mundo segundo nos fala Freire, mina tanto a coragem do estudante para externalizar seus pensamentos quanto sua capacidade de autonomia para se colocar com suas próprias palavras. Se a leitura do mundo implica um processo permanente de decodificação de mensagens, contextualização e articulação das informações, cabe à escola ensinar o aluno a lê-lo também por meio de outras linguagens, ja que a escola constitui lugar de reflexão acerca da realidade, seja ela local, regional, nacional ou mundial, fornecendo instrumental capaz de permitir ao aluno a construção de uma visão organizada e articulação do mundo (PONTUSCHKA et. Al. 2007, p.262) .





Esta falta de critica foi muito evidenciada em filmes muito próximos a realidade dos estudantes. Assim Uma onda no ar, a Rádio Favela que fala do povo na linguagem do povo e luta para resolver problemas aparentemente simples da população, com o espírito da liderança do rádio – “de lançar uma onda no ar e fazer o mundo mudar”, provocou o mutismo que nos remete a cultura do silencio da que nos fala Freire. Ainda o documentário Quebrando o tabu, com relato de pessoas comuns que tiveram suas vidas atingidas pela Guerra às Drogas, pensado para provocar debate sobre um dos problemas mais graves do município, que afetam diretamente aos jovens itaparicanos, não conseguiu quebrar o tabu, principalmente entre os professores, que não incentivaram a participação dos estudantes e foi exibido na ausência deles - ausência que nos faz lembrar dessa tendência a evitar o conflito, também característica da cultura do silencio.

Em realidade, podemos concluir da experiência que, mesmo que graças ao grande esforço da diretora de uma das escolas publicas de segundo grau, tivemos uma frequência razoável de jovens no cineclube do segundo semestre de 2015, a resistência maior foi encontrada dentre a maioria dos professores de ensino secundário, que tiveram dificuldades para acompanhar o projeto e entende-lo, ainda em alguns casos enxergando o cinema como motivo de evasão escolar.

Tempo de reflexão coletiva


A dispersão com a que os professores estamos acostumados a nos deparar na sala de aula se apresentava como um grande desafio, e houve momentos de muita atenção na hora de reflexão coletiva.  


Caramuru, com a sua narração  afetiva, lúdica e bem humorada sobre uma das histórias mais remotas do imaginário popular brasileiro - o casamento de Caramuru e Paraguaçu, tendo como cenário o paraíso tropical que era o Brasil na época – foi um filme fácil para começar o cineclube.

Um dos filmes que mais profundamente convidou para a reflexão e o debate foi Lixo Extraordinário: o documentário sobre o trabalho do artista Vik Muniz no maior aterro sanitário do mundo, no Rio de Janeiro, com os catadores de lixo, impactou pelo seu potencial de transformação.

espaço de socialização



 Constantemente, os estudantes eram convidados para ocupar os lugares mais próximos para se familiarizar com o cinema como espaço de socialização para todos os públicos, algo difícil de entender para uma geração que não chegou a conhecer a sala de cinema que outrora existia em Itaparica

O público alvo de 2015

O público alvo do Cineclube Mirante do Solar durante o segundo semestre de 2015 têm sido os estudantes de segundo grau das escolas públicas do município de Itaparica, que puderam assistir uma projeção semanal de filmes fomentadores do debate sobre os diversos temas contemplados na grade curricular, segundo a seguinte programação:



Agosto

Setembro
Feira das Ciências

Outubro
Mês das crianças

Novembro
Consciência negra


O físico
Ciências
A vida é bela
História
Hotel Ruanda
História


Narradores de Javé
Sociologia/ciências
Crianças invisíveis
Sociologia
Escritores da liberdade
Sociologia


Caramuru
História
         Lixo Extraordinário
(arte/ciências ) 
Central do Brasil
(Geografia/socio)
Kiriku e os animais selvagens
Ciências da terra

Radio Favela
Sociologia
O sal da terra
(ciências, arte)
Pequenas Historias
Arte/cultura
Quebrando o tabu
Sociologia/Ciências

O cinema como janela do mundo

O cinema constitui uma produção cultural muito estimulante para a formação do intelecto das pessoas, porque com ele aparecem questões cognitivas, artísticas, afetivas e ate éticas de grande significado  (PONTUSCHKA et. al. 2007, p.265) e, assim, oferece um aprendizado muito rico em interdisciplinaridade e, o que hoje em dia se precisa muito, em valores.



 Poucos sabem, mas a exibição de produções nacionais nas escolas está inclusive prevista na legislação desde 27 de junho de 2014, quando um projeto proposto pelo senador Cristovam Buarque transformou-se na lei 13.006 que define que “a exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à  proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais.”

Considerando que as novas gerações, especialmente dos interiores da Bahia, precisam de um incentivo e uma guia para freqüentar lugares de cultura aos que não estão habituados, o importante e desafiante, numa cultura dominada pela televisão e a comunicação individualizada e banalizada pela internet e as redes sociais, é criar uma cultura de cinema e de cineclube entendida como ação coletiva de reflexão comum e troca de idéias na construção de um mundo mais ético e mais solidário. Centro de Cultura e Ética Mirante do Solar, ao reunir as condições físicas ideais para um cinema e estar comprometido com o incentivo a cultura e a ética em Itaparica, se apresenta como parceiro adequado para a realização deste projeto de extensão da Universidade Estadual da Bahia junto com as escolas e a comunidade itaparicana em geral.